Por Hélio Brasil, advogado
Entrou em vigor no dia 03 de janeiro a lei 13.869, publicada em setembro de 2019, chamada de Lei de Abuso de Autoridade, que, no Senado Federal, recebeu a alcunha de Lei Cancellier, em Sessão Solene em Homenagem póstuma ao ex-reitor da UFSC (Universidade Federal de SC), Luis Carlos Cancellier de Olivo.
Referida lei, que vinha sendo discutida no Congresso brasileiro há mais de dez anos, vem substituir integralmente a Lei n. 4.898, paradoxalmente promulgada em 1965.
O escopo da novel legislação é atualizar a previsão em vigor, mediante a redefinição do conceito e do alcance dos crimes de abuso de autoridade frente à Constituição de 1988, e, em paralelo, estar em consonância com a evolução vivenciada na sociedade contemporânea.
Segundo a exposição de motivos, o crime de abuso de autoridade configura-se quando o agente público exerce o poder que lhe foi conferido com excesso, ou seja, quando extrapola a sua competência legal, ou ainda, atua com desvio de finalidade, com objetivo distinto daquele para o qual foi conferido.
A atualização legislativa, portanto, objetiva coibir e punir práticas arbitrárias e excessivas daqueles que têm por obrigação obedecer a lei. A justificativa do projeto anota ainda, com relevância, que o sujeito passivo do abuso de autoridade não é apenas o cidadão, mas também a Administração Pública, já que, na visão do legislador, a conduta abusiva transcende a esfera individual do cidadão.
A partir dessa premissa foi adotada a ação penal pública incondicionada para a persecução dos crimes de abuso de autoridade, admitida a ação privada subsidiária da pública, nos moldes do Código de Processo Penal.
Não se pode negar que as condutas tipificadas na lei são abusos que ocorrem com frequência, em especial aos menos favorecidos (a exemplo de: constranger o detento a submeter-se a situação vexatória; deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal; deixar de comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra à sua família ou à pessoa por ela indicada, etc.), apesar da maior visibilidade que se dá àqueles abusos relacionados a pessoas mais influentes, seja pela posição financeira, social, cultural ou política.
Na mesma senda, tema de intenso debate, estão os tipos que tratam da violação de prerrogativas profissionais dos advogados, que visam garantir a independência e a liberdade no exercício da atividade do seu mister, assim como a proteção conferida às prerrogativas funcionais de magistrados e membros do Ministério Público.
Com efeito, considerando a ideia central da lei de que os crimes de abuso ali elencados suplantam a relação existente entre abusador-abusado, a violação de prerrogativas dos advogados transcendem a pessoa do causídico, pois, na verdade, violam o direito fundamental do cidadão por ele defendido.
O certo é que os agentes públicos bem intencionados e que agem corretamente não precisam ter receio da alteração legal, pois nunca praticarão as condutas previstas na lei, pois elas são incompatíveis com a atuação pública de quem respeita a cidadania e a dignidade.
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