Por Rafael Popini Vaz, advogado – Lobo & Vaz
Além de enfrentarmos uma situação de crise socioeconômica, estamos vivenciando grande incerteza a respeito do tema da privacidade e da proteção de dados, a chamada LGPD.
No entanto, o tema tem repercutido no Judiciário e a mais alta corte se posicionou. Há algumas semanas tivemos um julgamento histórico que ocorreu no Supremo Tribunal Federal. Esse julgamento, para quem não acompanhou a matéria, suspendeu a eficácia da Medida Provisória 954 que dispõe sobre o compartilhamento durante a emergência de saúde de dados pessoais por empresas de telecomunicações com o IBGE para a realização de produção estatística oficial. Seriam disponibilizados os dados pessoais de todos os brasileiros que possuem uma linha fixa ou móvel.
Este julgamento reconheceu uma série de direitos, sob o prisma constitucional. A LGPD, apesar de ainda não vigente, já assumiu um papel norteador e a proteção de dados ganhou sob essa ótica status constitucional. Ocorre que, meus caros, que em tempos de pandemia, uma lei como a LGPD em vigor seria muito oportuna. Neste momento, o monitoramento e a vigilância estão mais fortes do que nunca. É um cenário de grande vulnerabilidade no regime de proteção de dados pessoais.
Há um esforço na coleta de dados pessoais sensíveis durante a pandemia, o nível de vigilância foi elevado a um patamar mais agressivo, da vigilância “sobre a pele” para “sob a pele” como diz o historiador israelense Yuval Harari. Sem dúvidas de que o uso de dados pessoais é imperioso para fins de controle da epidemia, a plataforma online e interativa construída pelos pesquisadores da Universidade Johns Hopkins que conta o número de infectados e vidas ceifadas pelo mundo que o diga. Estamos procurando soluções a curto e médio prazo e nem sempre levamos em consideração alguns direitos fundamentais.
Diversos países como China, Coreia do Sul, Irã, Israel, Bélgica, Polônia e até mesmo aqui no Brasil utilizam de métodos de vigilância digital para fins de combate. Já afirmava Freud, em O mal-estar da civilização, que “o homem civilizado trocou uma parcela de possibilidade de felicidade por uma parcela de segurança”. Bauman se refere à vigilância líquida. O tal controle e vigilância por parte de grandes conglomerados ou Estados, o que tem tomado dimensões ampliadas da técnica, do panóptico de Bentham ao panóptico eletrônico, onde as informações são coletadas, sobre tudo e todos, todos estão vigiados, estejam onde estiverem, tornando-os dóceis e úteis, como bem diria Michel Foulcaut.
De aplicativos a drones com tecnologia de reconhecimento facial pelas ruas ao uso de câmeras termais com tecnologia infravermelho em locais de trabalho. Pulseiras que deixam de enfeitar o pulso para impedir aglomerações aos crachás com “passaporte de imunidade” para o labor. A ameaça e o potencial de risco para as pessoas estão no uso indevido dos dados pessoais, principalmente os relacionados à saúde, classificados como dados sensíveis e que podem ser utilizados de forma discriminatória.
Fora a possibilidade de vazamentos. Temos três certezas nesta vida: uma é que vamos morrer, a outra é que precisamos pagar impostos e a terceira é de que dados vazarão. Uma legislação como a LGPD ajudaria muito em direcionar essa sociedade movida a dados, essa data driven society e definir responsabilidades.
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